terça-feira, 27 de outubro de 2009

Poema para uma arca vazia

Estática a árvore
recebe o vento


Uma folha despede-se.
Cai. Lentamente


Paciente o chão
é o seu leito

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Prosas de Outono

Os ramos secos, a folhagem no chão, vento, muito vento, e só depois a chuva. Próximo ainda este odor a musgo e esta imagem húmida. As tuas mãos em concha e a água por entre os dedos toma a plenitude do espaço onde todos os agasalhos desaguam. É aí que o olhar se evapora numa segunda adivinhação.
A outra é ter-te diante dos dias destonados ouvindo uma balada de orvalho à guisa da névoa que sobre nós caía. E aqui o espaço possui esta dualidade: tu e a tua chuva.

Mesmo assim, vê-se que o teu olhar passa devagar por este Outono que os dias silenciam e as tuas palavras humedecem ante o ar cinzento que te cerca as mãos. E sair deste lugar é saber revelar a profundidade verde dos teus olhos e construir palavra a palavra o teu tear sagrado: a arca onde depositas as mantas do teu sono.

Depois fazes passar os dedos dos olhos por um fio interminável de seda bem aconchegado aos ais de uma discreta inquietação. Ou voltar a alcançar as palavras que ambos inventamos quando te ofereci um gesto de açucenas.
Mais tarde, a tua mão espalmada na parede, a rua agitando folhas de severa ausência e uma flor ao vento com o olhar ingenuamente puro caído sobre a mansidão das árvores.

Teias de orvalho e o silêncio resgatado ao olhar de acaso, o fino traço e talvez o último passo dado por esta rua peganhenta que a noite vai acumulando. É então que dou pelo quebrar maciço das árvores ouvindo da janela uma voz selvagem e desconhecida, e a tua mão ainda espalmada na parede, a nítida cor dos dedos na parede, e os dias inúteis ali perto de mim, os dias e as árvores vertidos no teu chão.

Ao fundo, os ramos leves e caídos, as folhas e o ar cinzento, o vento amparando as nuvens e o teu rosto sorvendo todos os silêncios. É quando suportas as arestas derramadas de um segredo: o medo imenso da chuva que desaba dos barrancos e arrasta o teu inseguro olhar.

É agora que os dias cansados passam toda a lonjura porque nos acode um poema de Fernando Pessoa a derrubar este chato Outono. E dizes do tempo fustigado um desprezo húmido e um desejo de sol à espera do teu olhar, até à margem onde as sombras repousam sobre a relva. Ou até ao dia em que possa beber a água do teu rosto. Quem te disse que não morro um dia destes?

Baladas de Orvalho

é uma ave selvagem
o teu olhar
sempre o teu olhar


rasgado sobre a voz


o teu olhar
que solto te convoca
e nos convoca a sós