sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Baladas de Orvalho








 
Que estranha sede me circunda a casa?
A estas horas já o vinho espera
vem a alegria num refúgio de asa
olho os teus olhos, nasce a primavera.

E já cheira à flor da carrasqueira
vejo o sol a sorrir por entre os montes
como a dizer-te amiga és a primeira
a dizer dos meus olhos duas fontes

Mata essa sede assim devagarinho
Ó suores do amor tecei o linho!
A toalha na mesa não tem fim.

Mas que sede terás? Não adivinho.
Importa pois que bebas do meu vinho
que te embebedes bem dentro de mim.

                                Álvaro de Oliveira
 Do livro "Baladas de Orvalho"

quarta-feira, 15 de agosto de 2012








Fernando Assis Pacheco
Poeta e Jornalista 
Nasceu em Coimbra em 1 de Fevereiro de 1937





Um Campo Batido pela Brisa



A tua nudez inquieta-me.
Há dias em que a tua nudez
é como um barco subitamente entrado pela barra.
Como um temporal. Ou como
certas palavras ainda não inventadas,
certas posições na guitarra
que o tocador não conhecia.

A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo
para um lado misterioso e frágil.
Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe
contorno, peso. Destrói o meu corpo.
A tua nudez é uma violência
suave, um campo batido pela brisa
no mês de Janeiro quando sobem as flores
pelo ventre da terra fecundada.

Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas
com o vocabulário da tua nudez.
Tenho «um pensamento despido»;
maturação; altas combustões.
De mão dada contigo entro por mim dentro
como em outros tempos na piscina
os leprosos cheios de esperança.
E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete
que lanço com mão tremente desastrada
para rebentar e encher a minha carne
de transparência.

Sete dias ao longo da semana,
trinta dias enquanto dura um mês
eu ando corajoso e sem disfarce,
ilumindo, certo, harmonioso.
E outras vezes sucede que estou: inquieto.
Frágil.
Violentado.

Para que eu me construa de novo
a tua nudez bascula-me os alicerces.

                           in “A Musa Irregular”