Coisas do Pai Natal
Na infância, na véspera de Natal, deixava-me arrastar por uma pertinente ansiedade, até que a noite caísse, para ver o fumo sair pelas chaminés das casas. E, só aí, adivinhando a lareira acesa, tinha a percepção exacta do Natal. Chegava a hora da ceia: um fio de azeite a cair sobre antigas melodias. Depois, as rabanadas e a aletria, os figos e o vinho fino. A noite, por essas horas, dobrava-se mais quente ao convívio familiar pelas conversas longas entre sorrisos e afectos, pelas estórias contadas à lareira. Era então que me falavam dessa mítica figura do pai Natal, um velho de barbas brancas e fato vermelho que diziam subir aos telhados e entrar pelas chaminés a distribuir brinquedos pelos meninos. Era injusto esse pai Natal: dava aos filhos dos mais ricos e esquecia os filhos dos mais pobres. Confesso que nunca gostei da sua enigmática imagem. Vim a descobrir, mais tarde, que tudo em seu redor era inventado, e a estória dos brinquedos a maior das mentiras. Afinal, esse pai Natal enquadra-se muito bem no mundo em que vivemos: as coisas, nestes dias de aparente festa, inventam-se, excedem-se, alargam-se na extravagância, oferecem um ar de pura hipocrisia. Nem outra época dava tanto gozo aos patrões (pais natais do mundo ganancioso) para obrigar os governos a rever as leis laborais: Mais horas de trabalho, menos salário, despedimentos sem indemnizações e muito mais de mau que se faz e não se diz.
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