quinta-feira, 18 de março de 2010

Pai, todos os dias são teus

Acordei cedo, tomei a sua foto e, como já noutros tempos o
fizera, dei os bons dias ao meu Pai. Creio que me tenha ouvido e
respondido com aquela serenidade de sempre: «Bom dia meu filho.»
Não tenho a certeza, mas pareceu-me que o ouvi. Não meço distâncias.
Sei apenas de proximidades e conheço o timbre da sua voz, nestes vinte
anos que passaram, com o peso da sua ausência.

A manhã estava para esperas e demoras, com o sol virado ao amanhecer
das aves que levantavam voos dispersos, como dispersos foram os meus
passos no perdido gesto da sua despedida.

Neste dia, fez-se silêncio sobre o seu túmulo. Não lhe disse: Olá, Pai!!!
Não o beijei, não lhe dei uma flor. Apenas nos olhamos:
ele, da sua foto; eu, para a sua foto, numa discreta cumplicidade de palavras que só nós soubemos entender.

Chegou a hora da partida. Acenei-lhe com a mão num gesto quase imperceptível e ia dizer-lhe: Volto cá amanhã e depois de amanhã,
porque todos os dias são teus. Nada lhe disse. Nem aquele «Até já, Pai.» Ou a recomendação: dá um beijo meu à Mãe. Depois pensei:
tens a Mãe junto de ti e sei que estás rodeado por muitos amigos,
num perfeito convívio de santos. E nós, por cá, em ciclos de ódio, ainda construímos o nosso inferno. Nada lhe disse. E tanto lhe queria dizer. Fazer-lhe esta confidencia: Olha, Pai, tenho muito orgulho nos meus filhos:o Álvaro e a Célia. Que conheceste... Eles amam-te.

2 comentários:

  1. e sempre que leio isto fico com um no na garganta, porque nao te posso dar um abraço apertado todos os dias...
    é tao bom ser tua filha... é tao duro estar longe...

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  2. pois é... mas a vida faz-se de longes e de pertos
    de presenças e de ausências,
    com a compensação de estarmos vivos.

    Célia, um beijinho para ti e um abraço para o Filipe

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