sexta-feira, 25 de maio de 2012

De Mãos Atadas
Ele há coisas que não dá para acreditar. Às vezes até penso que não estou a viver o real ou começo a imaginar que a realidade já não existe. De facto, os acontecimentos de maior aflição ocorrem, exactamente, quando menos por eles esperamos. Tamanhos, que logo os procuramos esquecer para evitar fortes enxaqueca ou colapsos cardíacos: os cortes da luz, da água e do gás por falta de pagamento, a somar às prestações da casa, em atraso, e o banco já a mover acções de despejo para sacar a casa e ficar com o dinheiro que, por ela, já recebeu.
Coço a cabeça enquanto penso: Que fazer agora sem emprego, sem meios de poder dar volta à vida? Pedir? Procurar um Centro de Solidariedade para comer, por esmola, a tigela da sopa? Mas é isso que pretendem os nossos governantes? Uma sociedade de desgraçadinhos e pedintes, enquanto alguns políticos, que já romperam as calças na cadeira do poder, desviaram e desviam, à má fila, o dinheiro que era nosso? Era digo eu, e são muitos e muitos milhões. Quem os penhora? Quem tem a coragem de lhes cortar a luz? A água, não. Essa mata a sede, mas não mata a vergonha. Continuam livres, ganham vantajosas subvenções, habitam na grandiosidade dos seus palácios, passeiam-se em luxuosos carros, fumam charuto e gozam à farta. Em suma, dou pela recente criação de três novas classes sociais: os que roubam… os que dão… e os que pedem. “Custe o que custar”, diz o jovem lá do alto. E nós de mãos atadas a tapar a cara. 

                                                                                          Álvaro de Oliveira



terça-feira, 8 de maio de 2012

o teu olhar

é uma ave selvagem
o teu olhar
sempre o teu olhar

rasgado sobre a voz

 teu olhar
que solto te convoca
e nos convoca a sós

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Força, meu irmão

 
Caminha com o olhar virado para nós
atravessa as sombras deste pesadelo
para sorrires no verão que nos espera
e quebra os vidros oblíquos destes dias
com a força com que outrora derrubaste
os muros da velha cidade.

Força, meu irmão. Este dia já passou
e tu rompeste o liame do tempo
que te falava do medo de ter medo 
os teus pés calcaram montanhas de cansaço
e tu nunca adormeces. Força, meu irmão. 






Teus Olhos de Orvalho


teus olhos de orvalho.”
Iniciava assim o primeiro verso
que na tarde de 23 de Abril eu escrevia.
Depois chamaste, e depressa me perdi
na floresta imponderável das palavras. 
Mas confesso que não sei ainda
porque escrevi “teus olhos de orvalho.”
Talvez  uma lembrança de mar
à guisa da névoa que sobre nós caía.
E o verso perdia-se. Ia ao fim.

quarta-feira, 2 de maio de 2012


1º de Maio

Sentado numa ausência de Abril
não escrevi nada no teu dia.
Mas vi os teus olhos, as tuas mãos
os teus braços agitando a água
desta praça onde teces outros dias
um sorriso ao largo, o vento sobre a bruma
e os teares de Maio superando os pulhas
que morderam todas as palavras que disseste
no teu dia. Não escrevi nada...
Estava sentado numa ausência de Abril.