domingo, 31 de janeiro de 2010

A Vida Cada Vez Mais Cara

Atento ao concreto do dia-a-dia, o cidadão começa a questionar-se sobre os aumentos da água,
da luz e do gás atingirem  níveis elevadíssimos, sendo, como são, bens de primeira necessidade.
Isto já para não trazer à liça outros géneros que nos são particularmente caros, como o pão e o leite.
E se porventura a doença nos conduzir para o balcão de uma  farmácia, só aí, contas feitas, nem pensar no salário mínimo e na maioria das pensões de reforma. É que mais uma pequenina distracção com as despesas da casa, do carro e do telemóvel, nem o salário médio chegará.Vergados, portanto, à dura realidade destes destemperos de vida, ainda se pode perguntar: que será de quem vive apenas com o subsídio de inserção ou de desemprego? Que será das pessoas ou famílias que perderam o emprego e já nem um cêntimo recebem? Colocadas, então, estas interrogações, falta saber qual o nosso papel, a nossa vivência e a nossa atitude na comunidade a que pertencemos. Será que os cidadãos vão continuar a carregar com o fardo da crise e colocados  ante a ganância dos que auferem gordas reformas do estado acumuladas a vencimentos muito mais elevados, ao carreirismo político e às fortunas dos banqueiros?
Mas o que mais doi é saber que no meio de tudo isto há uma refinada burguesia que, como diz o poeta, faz da desgraça a sua graça.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

No meu caminho




















Uma canção de mar alonga a tarde.
Na tarde tuas mãos tecendo o linho.
Se em teus olhos o  meu olhar arde
já tuas mãos teceram meu caminho.

Ah, meu amor, que alegria que encanto
um novelo de espuma alonga a tarde!
Que o suor do linho teus olhos guarde
nos gestos do tecer e do teu canto.

Lavrado em chama fica o meu olhar
no tempo que passou sem ter passado
um novelo de espuma arredondado...

Estranho norte marca o meu andar
em novelos de mar como os de linho
e sempre tuas mãos no meu caminho.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Transfigurações


Bronze - Jorge Ulisses - 1986
Colecção particular
____________________

como em Ílhavo
outros sons chegaram
à magia da relva

só Verdi
me falava
desse profanado hino
que as aves inventaram

aqui
por algum tempo
deixei o coração
e a tarde devagar adormecia





domingo, 24 de janeiro de 2010

tudo branco

já disse dos dias o seu tempo:
o meu próprio instante.

de súbito, tudo branco
infinitamente branco.

e que outro arado
nos convocará à terra?

                (Inventar o Olhar)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Passos de Anisa

um olhar cai sobre o país que despreza os seus poetas
agora ardem as palavras pela noite e os teus olhos mortos
viver é estar neste país com um poema em cada mão
ouvindo os melros cantar quando é abril
o teu olhar ficava além do mar quando o sol ao fim da tarde adormecia
sei que vão recolher-se as aves no interior da tua memória
sei que há um nome para todos os pássaros e provo o mel das montanhas
olhando as águas de um país ainda dividido - o das palavras inquietas e frias
e sei do enigma dos teus olhos mortos sempre que ao longe de nós se afastam
dois poemas que li imensamente belos perfuraram a noite
o tempo que espera a cor dos teus olhos mortos
hás-de ver como este país despreza os seus poetas
e não terás outro bulício senão o aroma dos seus poemas imensamente belos.

                                                          (Baladas de Orvalho -2006 )

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Caminhando Sobre Mim


Se me perderes, encontrar-me-ás caminhando sobre mim com os passos virados para Norte: a mochila às costas, o cabelo despenteado, a barba de cinco semanas e um ar cansado.
Armo a tenda longe da estrada para evitar a poluição dos carros. E alimento-me de palavras que, ao acaso, vou inventando.
Depois sento-me encostado ao tronco de uma árvore com o chapéu colocado sobre o rosto.
Os cães ladrão à minha passagem e as pessoas olham-me com desdém. É então que recordo a doída agressão à minha liberdade de imprensa e aquele falso argumento da acusação: “... Por desvios editoriais.” Disseram-me. Que é isto? Não obedeço a qualquer jarreta que se preze ao toque da censura. E escrevo. Escrevo sempre. Até parece que não sei fazer outra coisa.
Se calhar, é por isso que detesto os que se dizem vítimas e perseguidos, tanto como aqueles que se rotulam de democratas.
Já sabes. Se me perderes, encontrar-me-ás caminhando com os passos virados para Norte, com um poema registado em cada mão.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Geometria dos Sons

que sonho é este
que me prende o olhar
e só as mãos esperam

as cordas subtis
a forma do corpo
a orla retratando esmeros
e este orvalho a convidar
uma canção de Zéca Afoso

agora fixo os espaços ritmados
que marcam a geometria dos sons
que somos nesta melodia breve
onde o sol pela tarde se repete

e tenho um desejo secreto de tocar-te
que só as mãos esperam

sábado, 16 de janeiro de 2010

Suportes

face com face
o beijo
por sobre tudo

são as mãos
as tuas mãos
a luz
na sombra

tal é a pureza
dos rostos
quando tão secamente
os lábios se tocam


(Mar da Boca)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Sou a Oferta

Desperta o olhar. O teu olhar brando
entre as sebes do corpo
um palpite de horas alongadas
na margem de todos os silêncios.

Sou eu a oferta no cume das loucuras
a pedir-te um grito de seara
talvez a sede desfazendo eternidades
e os teus seios como duas româs a beber
a água no prolongamento das mãos.

Sou eu a oferta: Ó terra
meu amor de vento. Porque só tu
um dia responderás por mim.

"Poemas Para Uma Arca Vazia"

domingo, 10 de janeiro de 2010

A Tua Ausência

O amparo do rosto
são as mãos
medindo mergulhos no silêncio

Gelados dias passam
no decalque das águas
e na sombra fria das palavras

Porém     no amparo do rosto
outro silêncio
o rumor das águas da tua ausência

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Os Dias da Fome

Solidário só o murmúrio do trigo
e secam as manhãs ao longe
numa mensagem de fome
que agora nos chega pelas mãos do vento

Outro murmúrio que do olhar se foi
já o céu recusou

Só tu, meu amor, o tomas como herança
e ardem as manhãs ao longe
como se outro tempo de longe nos chegasse

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Dia de Reis

Nada de ouro, de incenso ou mirra.
Merecemos mais:
procurar Ser e Fazer aquilo que é melhor
para nós e para os outros.
Se calhar, atenção, tolerância e seriedade.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Trago-te da Infância

Trago-te da infância
um sorriso de tâmaras
e esse olhar ingenuamente puro
que os pássaros guardaram como herança

Trago-te da infância
a magia dos sonhos demorados
o segredo dos brinquedos que inventei
e as asas duma borboleta
que me visitava todas as manhãs

Trago-te da infância
um navio de palavras sem idade
a subtil timidez dos gestos
que só agora posso decifrar