domingo, 5 de maio de 2013

Dia da Mãe





o cheirinho das rosas
segura o olhar
por uma gota de orvalho feito sol
em intactas recordações

e exactas imagens
as do teu olhar
enchem os dias que nos dás
em searas de beijos

agora o teu riso
fala-me de eternidades
nas alturas de um trono: o teu colo
onde adormeço num mundo de estrelas
ao cheirinho das rosas

                             àlvaro de oliveira






quarta-feira, 1 de maio de 2013


Os Dias e as Sombras

As mãos espalmadas na parede
a rua agitando teias de  orvalho
e a rapariga de cabelo ao vento
com o olhar ingenuamente puro
caído sobre  a mansidão das árvores.

Teias de orvalho e o silêncio
resgatado ao olhar de acaso,
informe e dúctil da rapariga,
o fino traço e talvez o último  passo
dado por esta rua que a noite vai acumulando.

Dou pelo quebrar maciço das árvores
ouvindo uma voz selvagem e desconhecida,
as mãos espalmadas na parede,
a nítida cor dos dedos na parede,
e os dias inúteis ali perto de mim,
os dias e as árvores nas mãos da rapariga.

                                       Álvaro de Oliveira


Este poema foi lido pelo autor
na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva
no dia Mundial da Poesia - Braga



segunda-feira, 15 de abril de 2013



Descalça vai para a fonte



Descalça vai pera a fonte
Lianor pela verdura;
vai fermosa, e não segura.


Leva na cabeça o pote,
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata,
sainho de chamalote;
traz a vasquinha de cote,
mais branca que a neve pura;
vai fermosa, e não segura.

Descobre a touca a garganta,
cabelos de ouro o trançado,
fita de cor de encarnado,
tão linda que o mundo espanta;
chove nela graça tanta
que dá graça à fermosura;
vai fermosa, e não segura.


            Luís de Camões

quarta-feira, 10 de abril de 2013


vai menino meu

vai, menino meu, vai. entra na densa floresta. protege as árvores e as aves, recebe a brisa que te beija o rosto, leva na algibeira todas as palavras que aprendeste e um rio entre as mãos para acudires às manhãs feridas de cansaço.
vai, menino meu, não enumeres os passos nem as estrelas que hás de calçar, uma a uma, reféns das sandálias cozidas pelo tempo. vai, coloca o olhar à tua exacta medida para domares as feras que atacam a floresta e não te deixes dominar por elas.
segue a rota dos meus poemas. lê-os, um a um, em voz alta para acordares os meninos que morrem nos campos de refugiados. segue, passo a passo, o trilho sinuoso dos meus versos, onde o sol retoma a cor dos dias e recusa pôr-se em cada fim de tarde. vai. descobre os salões das prostitutas de luxo nos casinos soberbos, sem que lhes toques na auréola do vestido. esse é o espaço dos cínicos que roubam o pão aos pais dos meninos que morrem juntos nos campos de refugiados ou o limbo onde burgueses e beatas largam o seu bafo.

sábado, 23 de março de 2013



 Os Olhos Dos Poetas


Ardem as palavras. E os teus olhos mortos.    
Viver é ouvir os poetas cantar quando é manhã.

O teu olhar fica muito para lá do mar
quando uma ave nos revela o teu cansaço.    

Sei que acolhes as palavras no baú mais fundo
da tua alma: Belas, simples e quase marginais.
E agora a poesia és tu e os teus olhos vivos.

Há dois nomes para os poetas. Uns são Misteriosos.
Outros, simplesmente Loucos pela poesia.

Os primeiros cantam a beleza das coisas simples e grandes
Os segundos cantam a grandeza das coisas simples e belas
Mas todos provam o vinho do instante sagrado
ou o choro deste país a perder a sua identidade.

Sei do enigma dos teus olhos mortos e vivos
sempre que ao longe dos nossos se afastam.

Os teus poemas imensamente belos
encheram a noite: o tempo que dá cor aos teus olhos
mortos, vivos, azuis, verdes ou castanhos.

Hás-de ver como este país despreza os seus poetas.
E amanhã, logo pela manhã, não terás outro bulício
senão o aroma dessa poesia que enche a terra
com os teus poemas imensamente belos.

                           Álvaro de Oliveira

Poema lido pelo autor
Na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva
Assinalando o Dia Mundial da Poesia

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013


Em Tempo de Crise


Gastei dum merceeiro trinta dias;
Não paguei e fui para o vizinho.
A este fiz o mesmo; e, por tais vias,
Sem cão não deixei outro pelo caminho.

Gastei do Braz, do Mota e do Agostinho,
Da cidade corri às freguesias;
Vou nos arredores, já me avizinho
doutra cidade cá das cercanias

Tenho comido à borla. Isso explica-se…
Mas a questão agora é má. E complica-se…
Ninguém me quer fiar – estou aflito!

Porém, o mundo é grande; e estou a ver
que, seja como for, hei-de viver
nem que seja a cravar noutro Distrito.


                               *  RINDO
                         
                                  I. Carneiro de Sá - 1933