domingo, 15 de julho de 2012

José Miguel Braga

Santa Bárbara

    Acabo por não saber se é esta espécie de silêncio que se envolve comigo quem, de algum modo, me resguarda. O tempo guardado em nós lembra a ironia da paisagem morta ou a insolência dos cactos que à míngua de água se obstinam; mas não os deuses que em lugares imunes inventam rios felizes e nos montes e lagos se meneiam com vagares reais.
     Começo a escrever para que o desejo de palavra permaneça. Pressinto esse tempo urdido por artesões de espera, monstros pacientes do interminável desperdício. E num dia assim triste e aconchegado, bebendo os trilhos que passam no meu cérebro, entardeço comigo a trovoada que vai fazer-se ao mar.
     Passeio pela casa, atento sobretudo aos campos, como se ali pudesse haver um momento de sombra e o encontro da hora morta.
     Há nuvens altas, o campo oscila sob o céu líquido e cinzento e a trovoada desce sobre o pequeno devaneio de Verão. E assim enrodilhada e abrupta e próxima da explosão, regressa inutilmente comigo àquelas tardes de Setembro em Santo Amaro.
     De joelhos, como um pastorinho rezando a eternidade do fogo às alturas de Santa Bárbara.

                                                                                    * ( do livro Linha Mágica)

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